Cristovam Buarque *
É comum o horror diante da brutalidade de dirigentes que queimam livros e prendem ou matam intelectuais como o imperador chinês Shih Huang Ti, que, 210 anos antes de Cristo, decidiu queimar todos os livros e matar todos os estudiosos do seu império. Até hoje, a Inquisição horroriza o imaginário da humanidade pelo crime de destruir livros e matar intelectuais durante a Idade Média. Em Berlim, no campus da universidade Humboldt, há um local de reverência indignada no lugar onde Hitler queimou milhares de livros.
Mas não nos horrorizamos quando os livros são impedidos de ser escritos e os jovens de se transformarem em escritores. Indignamo-nos com a queima de livros e a prisão de escritores, mas não com a incineração de cérebros como se faz no Brasil, ao negarmos educação ao povo. Pior do que queimadores de livros, somos incineradores de cérebros que escreveriam livros, se tivessem a chance de estudar. A história do Brasil é a história do impedimento de que livros sejam escritos e de que cientistas e intelectuais floresçam.
Quando os livros são queimados, alguns se salvam. Mas se eles não são escritos, não há o que salvar. Quando os escritores se salvam, eles escrevem outros livros, mas quando não aprendem a ler, queimam-se todos os livros que poderia escrever.
O Brasil é um crematório de cérebros.
Ao nascer, cada ser humano traz o imenso potencial de um cérebro vivo e virgem. Como um poço de energia a ser ainda construído: pela educação. No Brasil, treze porcento dos adultos são analfabetos, apenas trinta e cinco porcento concluem o ensino médio; destes, só a metade tem uma educação básica com qualidade acima da média. Portanto, oitenta e dois porcento ficam impedidos de escrever, todos os livros que escreveriam são queimados antes de escritos.
Como se o Brasil fosse um imenso crematório de inteligência.
As conseqüências são perfeitamente perceptíveis: basta olhar a cara da escola pública no presente para ver a cara do País no futuro. Apesar de nossos quase 200 milhões de cérebros, o quinto maior potencial intelectual do mundo, o Brasil continuará a ser um país periférico na produção de conhecimento. Da mesma forma como a China regrediu intelectualmente depois de Shih Huang Ti; a Alemanha, com Hitler; a Península Ibérica, com a Inquisição; o Brasil está perdendo o potencial de seus cérebros interrompidos. O resultado já é visível: ineficiência, atraso, violência, desemprego, desigualdade, tolerância com a corrupção e a contravenção. Um país dividido por um muro da desigualdade que separa pobres e ricos; e separado das nações desenvolvidas.
Durante anos, falou-se no "decolar" da economia. Achava-se que para um país ter futuro bastava educar uma elite, um pequeno conjunto de profissionais superiores a serviço da economia. Formamos uma minoria no ensino superior, escolhida depois de rejeitar a imensa maioria na educação de base, e perdermos o potencial das dezenas de milhões deixadas para trás.
Ou o Brasil se educa ou fracassa; ou educamos todos ou não teremos futuro e a desigualdade continuará; ou desenvolvemos um potencial científico-tecnológico, ou ficamos para trás. Se a universidade é a fábrica do futuro, o ensino fundamental é a fábrica da universidade. Sem uma professora primária que lhe tivesse ensinado as primeiras letras e as quatro operações, Albert Einstein não teria se tornado cientista. Nossos prêmios Nobel morreram antes de aprender as quatro operações. Não podemos formar inteligências enquanto formos queimadores de cérebros. Não podemos melhorar a educação superior sem uma educação realmente universal e de qualidade para todos.
Só o pleno desenvolvimento do imenso potencial da energia intelectual dos brasileiros permitirá derrubar o muro do atraso e o muro da desigualdade. Mas isso exige que o horror que sentimos com os estrangeiros que queimavam livros e sábios, seja transferido para nós próprios, incineradores de livros que não foram escritos, de doutores que morreram analfabetos. Incineradores de cérebros.
* Professor da Universidade de Brasília, Senador pelo PDT / DF.
Mas não nos horrorizamos quando os livros são impedidos de ser escritos e os jovens de se transformarem em escritores. Indignamo-nos com a queima de livros e a prisão de escritores, mas não com a incineração de cérebros como se faz no Brasil, ao negarmos educação ao povo. Pior do que queimadores de livros, somos incineradores de cérebros que escreveriam livros, se tivessem a chance de estudar. A história do Brasil é a história do impedimento de que livros sejam escritos e de que cientistas e intelectuais floresçam.
Quando os livros são queimados, alguns se salvam. Mas se eles não são escritos, não há o que salvar. Quando os escritores se salvam, eles escrevem outros livros, mas quando não aprendem a ler, queimam-se todos os livros que poderia escrever.
O Brasil é um crematório de cérebros.
Ao nascer, cada ser humano traz o imenso potencial de um cérebro vivo e virgem. Como um poço de energia a ser ainda construído: pela educação. No Brasil, treze porcento dos adultos são analfabetos, apenas trinta e cinco porcento concluem o ensino médio; destes, só a metade tem uma educação básica com qualidade acima da média. Portanto, oitenta e dois porcento ficam impedidos de escrever, todos os livros que escreveriam são queimados antes de escritos.
Como se o Brasil fosse um imenso crematório de inteligência.
As conseqüências são perfeitamente perceptíveis: basta olhar a cara da escola pública no presente para ver a cara do País no futuro. Apesar de nossos quase 200 milhões de cérebros, o quinto maior potencial intelectual do mundo, o Brasil continuará a ser um país periférico na produção de conhecimento. Da mesma forma como a China regrediu intelectualmente depois de Shih Huang Ti; a Alemanha, com Hitler; a Península Ibérica, com a Inquisição; o Brasil está perdendo o potencial de seus cérebros interrompidos. O resultado já é visível: ineficiência, atraso, violência, desemprego, desigualdade, tolerância com a corrupção e a contravenção. Um país dividido por um muro da desigualdade que separa pobres e ricos; e separado das nações desenvolvidas.
Durante anos, falou-se no "decolar" da economia. Achava-se que para um país ter futuro bastava educar uma elite, um pequeno conjunto de profissionais superiores a serviço da economia. Formamos uma minoria no ensino superior, escolhida depois de rejeitar a imensa maioria na educação de base, e perdermos o potencial das dezenas de milhões deixadas para trás.
Ou o Brasil se educa ou fracassa; ou educamos todos ou não teremos futuro e a desigualdade continuará; ou desenvolvemos um potencial científico-tecnológico, ou ficamos para trás. Se a universidade é a fábrica do futuro, o ensino fundamental é a fábrica da universidade. Sem uma professora primária que lhe tivesse ensinado as primeiras letras e as quatro operações, Albert Einstein não teria se tornado cientista. Nossos prêmios Nobel morreram antes de aprender as quatro operações. Não podemos formar inteligências enquanto formos queimadores de cérebros. Não podemos melhorar a educação superior sem uma educação realmente universal e de qualidade para todos.
Só o pleno desenvolvimento do imenso potencial da energia intelectual dos brasileiros permitirá derrubar o muro do atraso e o muro da desigualdade. Mas isso exige que o horror que sentimos com os estrangeiros que queimavam livros e sábios, seja transferido para nós próprios, incineradores de livros que não foram escritos, de doutores que morreram analfabetos. Incineradores de cérebros.
* Professor da Universidade de Brasília, Senador pelo PDT / DF.
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